sábado, janeiro 28, 2006

A crise: o momento actual

A vitória do “não” nos referendos sobre a Constituição Europeia, por parte de dois dos Estados-Membros fundadores, França e Holanda, gerou um enorme abalo no aprofundamento do projecto europeu. Mesmo a vitória do “sim” no referendo do Luxemburgo, posterior aos da França e Holanda, não foi de facto um sinal de esperança para a nova Constituição, tendo em vista que os números não foram expressivos (Sim: 56.5% - Não: 43,5%), para um país tradicionalmente defensor e apoiante de primeira linha integração europeia. Em causa ficou a visão federalista da União Europeia, da criação de um verdadeiro Estado Europeu, à imagem dos Estados Unidos da América. Mas os sinais de crise no seio comunitário não se ficam por aqui. Ainda recentemente, uma enorme discordância acerca das perspectivas financeiras para o período 2007-2013 acentuou ainda mais o ambiente adverso que se vive nas instituições comunitárias e entre os interesses divergentes dos Estados-Membros. A recusa da França em rever a Política Agrícola Comum, da qual é a principal beneficiada e as reservas do Reino Unido em deixar de dispor do seu “cheque britânico” colocam estes dois importantes Estados-membros em lados opostos, pondo em primeiro lugar os seus interesses e só depois os interesses comuns da União Europeia.
Já em vésperas da invasão militar do Iraque, se começou a notar que a coesão do espírito europeu estava com inúmeras fragilidades. O facto de dois grandes Estados da União Europeia, a França e a Alemanha, terem sido ferozes opositores a esta invasão contra a opinião e a colaboração directa do Reino Unido e da Espanha, para além de outros países mais pequenos, como foi o caso de Portugal, mostraram que está muito longe ainda uma ideia de haver a possibilidade de um superestado europeu, com exercito próprio. Mais uma vez, ficou explícito perante os olhos de todos os observadores, que existem ainda matérias essenciais em que os Estados-Membros divergem, e que pelos vistos não estão dispostos a abrir mão de terem opinião e intervenção própria.
Outro grande revés foi claramente o perdão que o Conselho Europeu concedeu à França e à Alemanha, por terem violado o Pacto de Estabilidade e Crescimento em 2003, ficando estes isentos de serem alvos de um processo por défice excessivo. A imagem que isso criou por toda a Europa, e sobretudo pelos países cumpridores e por aqueles que não cumprindo, estavam a fazer um esforço significativo por fazê-lo, pondo em causa o seu crescimento económico, foi avassalador para a crença de que todos os Estados-membros, por mais ricos e mais importantes que sejam, são tratados como iguais em matérias tão importantes, como é esta do cumprimento dos limites do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Um ponto que também merece destaque é a falta de interesse, pelo menos por parte substancial da população da União Europeia, no conhecimento e na intervenção cívica dos assuntos relacionados com o projecto europeu, objectivamente comprovado com as enormes taxas de abstenção que se registam nas eleições para o Parlamento Europeu. Sendo uma matéria de enorme importância para a vida concreta dos cidadãos europeus, é no mínimo estranho que estes demonstrem um enorme desinteresse e falta de empatia para com a vertente comunitária. Não é de estranhar portanto que tenha havido o chumbo à Constituição Europeia nos referendos da França e Holanda também por causa destes motivos, embora se possa invocar objectivamente outros.
Regista-se neste momento um impasse. Um momento de reflexão, dizem uns, uma marcha-atrás irreversível na construção e aprofundamento europeu, dizem outros. O que é certo é que não se vive hoje em dia o espírito de construção, um verdadeiro clima de compromisso europeu, dos tempos de Jacques Delors, François Miterrand e Helmut Kohl, como afirma o Presidente da Comissão Europeia, Dr. Durão Barroso

Sem comentários: